Você já pensou no vermelho? Uma cor tão básica, tão humana, tão carnal, que em nossa vida não percebemos sua grandiosidade e sua onipresença.
Portadora do maior comprimento de onda da luz visível (mais de 700 nanômetros), o vermelho é provavelmente a primeira cor que os recém-nascidos conseguem identificar. Também foi o primeiro pigmento que nossos ancestrais descobriram e usaram para deixar as pistas que reconhecemos ainda hoje, a respeito dos hábitos de sua sociedade.
Pesquisadores indicam que a capacidade de enxergar cores – a chamada visão tricomática – se desenvolveu nos animais, e em especial em nossos primos primatas, para possibilitar a distinção entre frutas maduras e verdes, e mais tarde a detecção de mudanças sutis no fluxo sanguíneo sob a pele, o que indica alterações no estado emocional de seu interlocutor – vermelho de raiva ou constrangimento, azulado de doença ou pálido de pânico. Assim, as pesquisas indicam que a sensibilidade visual às modulações de cores facilita à interação social.
105 tons de vermelho são reconhecidos pela humanidade. De todas as suas nuances, o vermelho intenso é o primeiro a ser lembrado quando alguém ouve a palavra “vermelho”. Isto porque nossa ancestralidade o relaciona com duas vivências elementares: o fogo e o sangue.
O ocre-vermelho foi o primeiro pigmento a ser usado em pinturas rupestres pré-históricas, e até hoje é um dos mais utilizados na produção de “vermelhos”. Há cerca de 40 mil anos, os pigmentos foram criados a partir de uma combinação de solo (rico em ferro, no caso do vermelho), gordura animal, carvão queimado e giz. Nas civilizações mais antigas e organizadas, como a China, Índia e Egito as cores passaram a fazer parte das necessidades psicológicas (símbolos míticos e religiosos) e culturais (status) das sociedades. Caçadores do período neolítico (cerca de 8.000 anos antes de Cristo) já a consideravam a cor mais importante, dotada de poderes relacionados a vida, colocada inclusive nos túmulos de seus mortos. Por volta do século VIII, na cultura nórdica, o nome usado para o vermelho derivou de teafor (magia). Para muitas sociedades do mundo antigo, o vermelho detinha poderes mágicos relacionados à invencibilidade, proteção, força e intimidação.
A cor conquistou tal importância, que entre os séculos 16 e 17, o pigmento vermelho produzido pelos indígenas mexicanos a partir do inseto cochonilha era a terceira maior exportação das Américas – ficando atrás do ouro e da prata. Até hoje este pigmento é utilizado em batons e em produtos alimentícios avermelhados.
Mas foi somente em 1942 que os efeitos psicológico e fisiológico das cores começaram a ser estudados sistematicamente. O neurologista e psiquiatra alemão Kurt Goldstein foi o pioneiro nessas pesquisas e identificou que as cores produzem reações fisiológicas e emocionais. No caso do vermelho, a aceleração do coração, aumento da pressão sanguínea e do apetite e a necessidade de possuir o objeto do desejo, o que explica as cores nos restaurantes fast-food e nos carros esportivos mais velozes.
Simbolicamente relacionado ao fogo e ao sangue, o vermelho está diretamente ligado à vida e todas as sociedades criaram vertentes desse simbolismo. Na maioria dos países europeus a cor representa amor, excitação e uma certa dose de perigo.
É a cor tradicional das noivas na China, bem como da sorte, alegria e vitalidade. Representa pureza na Índia, alegria para os povos do Oriente, sacrifício e amor para os Cristãos. É relacionado à terra pelos aborígenes australianos, ao o Natal e o Valentine´s Day pelos norte-americanos e ao sucesso pelos índios Cherokees.
Essa breve volta ao mundo reforça o fato de que as cores estão sempre em um contexto maior e sua interpretação sempre está relacionada à história de vidas e às experiências do observador. Isso fica muito claro quando comparamos a interpretação que os norte-americanos (amor), os cristãos de todo o mundo (sacrifício) e os sul-africanos (violência) tem da mesma cor.
*texto originalmente publicado na minha coluna Nau de Cores, do Blog4Hands.
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